terça-feira, 13 de agosto de 2013

O imperecível universo das comédias românticas

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Cena de O fabuloso destino de Amélie Poulain


Por Dominique Silveira
Da Revista Obvious


Um cara vai ao psiquiatra e diz:
- Doutor, meu irmão é louco, ele pensa que é uma galinha.
E o médico diz:
- Se é assim, porquê você não o interna, para ele ser tratado?
O cara responde:
- Porque eu preciso dos ovos.

“Para mim, relacionamentos são como esta piada. São loucos, absurdos e irracionais. Mas vamos levando, convivendo com isso porque...precisamos dos ovos”.

O trecho acima foi extraído do premiado filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977), dirigido e protagonizado por Woody Allen. A trama retrata as doçuras e agruras (mais agruras) enfrentadas por um humorista divorciado que faz análise há 15 anos e uma cantora iniciante um tanto complicada, que se apaixonam e decidem morar juntos, partindo daí os conflitos do relacionamento destrinchados ao longo do filme.

A piada, narrada por Allen durante o desfecho da obra, produz um misto de sensações ao espectador por unir o drama, o cômico e o romântico de uma só vez. Transmite a ideia de que a vida conjugal perpassa por vieses que parecem antagônicos e absurdos, porém são essenciais como água. Também conta com uma pitada da veia irônica característica do diretor e ator. E é de incrível semelhança com a realidade.

O gênero Comédia Romântica, muito antes de ser veementemente explorado pela indústria cinematográfica ao longo de quase um século, registra suas origens no teatro, citando como exemplo peças de Shakespeare (Muito Barulho por nada, datada nos anos 1500). Desde então, obras deste gênero são cadeiras cativas nos programas de final de semana dos casais, dos solteiros, dos românticos inveterados. E parece possuir traços de longevidade, ótimo para os atores e diretores simpatizantes deste tipo de arte, bem como para seus apreciadores nas salas de cinema.

Listar uma razão para este fenômeno é tão complexo quanto compreender isoladamente os motivos que levam um ser humano a se apaixonar por outro. Prateleiras de livrarias são abarrotadas anualmente de livros que propõem tanto explicar a origem como apontar caminhos a serem seguidos por seus leitores, na tentativa de simplificar o amor e seus efeitos, basta conferir no setor de best-sellers e encontrar no mínimo um exemplar deste tipo. As pessoas são fascinadas pelo acaso e a forma despojada com que as comédias românticas abordam o amor. É interessante gargalhar entre um suspiro e outro, até arriscar entre algumas lágrimas.

O sucesso de bilheterias e venda de livros está atrelado à criatividade, à esperança, ao acaso. Um dos elementos mais norteadores do ramo é o que os escritores e produtores chamam de Meet Cute. O termo explica o primeiro encontro do futuro casal, em situações incomuns, divertidas e adoráveis com as quais o público se identifica. Ir ao supermercado no meio da madrugada e coincidentemente pegar a mesma lata de sopa disputada por outra pessoa que está do outro lado da prateleira, iniciando uma troca de olhares e uma risadinha constrangida. Ou não, em alguns casos surgem brigas, pois ambos não abrem mão da lata, e acabam trocando farpas para dar o ar conflituoso, e tempos depois percebem que estão perdidamente apaixonados um pelo outro, mas são orgulhosos demais para admitir. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Ou talvez seja mesmo.

A contragosto dos românticos de culpa livre, um estudo constituído por 392 indivíduos casados, liderado pelo psicólogo Jeremy Osborn, da Universidade Albion em Michigan mostrou, através de preenchimento de um questionário no qual os sujeitos da pesquisa apontavam o nível de expectativas, satisfação e compromisso com seus parceiros e descreviam o quanto acreditavam nos casais de seriados, novelas e filmes de comédias românticas, que a medida da admiração e crença em casais de filmes, destino e na pessoa única e perfeita para cada um, era a medida da insatisfação com os relacionamentos reais dos envolvidos no estudo.

Osborn explica que este efeito ocorre por conta das expectativas muitas vezes irreais com as quais as pessoas, imersas neste tipo de mídia, se identificam em filmes. A ideia do “amor à primeira vista”, “feitos um para o outro”, “felizes para sempre” tendem, em alguns casos, atrapalhar o compromentimento, continuidade e visão realística dos relacionamentos e expectativas fora das telas. A busca pela perfeição leva a casos de insatisfação tão profunda com a vida conjugal, que desperta o desejo da solteirisse para estar disponível no exato momento em que o Mr./Mrs. Right aparecer.

O psicólogo diz que o intuito do estudo é apenas despertar nas pessoas em geral a reflexão e senso sobre esta linha tênue entre a ficção e realidade nos relacionamentos amorosos, e até onde a mídia deste gênero pode influenciar na maneira de desfrutar os benefícios e enfrentar as dificuldades dos mesmos.

Verdade seja dita: Comédias românticas (as boas, vale salientar) sempre serão sucesso de bilheteria e best-sellers de livrarias, pois em algum momento da vida, alguém vai levantar no meio da madrugada para comprar sopa enlatada no supermercado. Ou precise dos ovos da piada de Woody Allen. E sabe lá o que pode surgir daí.



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