sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Juventude enjaulada

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Por Mariana Martins
Da Revista Obvious

Nossa geração é a geração do muro, seja de alvenaria, seja de barreiras psicológicas criadas cuidadosamente para não nos afundarmos demais nos perigosos sentimentos, nas dificuldades de nos relacionarmos com outras pessoas, sejam as barreiras cibernéticas das redes sociais. Nós embrutecemos.
Não sabemos mais ser gentis - coisa que se percebe facilmente na hostilidade dos comentários e discussões internet afora. Coragem? Só atrás de um teclado e de uma telinha. Amigos? Quinhentos, dos quais apenas dois ou três sabem seu aniversário de cor. Compartimentação de sentimentos para facilitar a interpretação - sexo, paixão e amor tratados como se um não tivesse nada a ver com o outro. O terceiro é o bicho-papão das relações. Ninguém quer nem se imaginar nele. Mas a vidinha segura do casamento está nos planos da grande maioria que diz não querer saber de amor. Comprometimento só se as vantagens forem evidentes e as desvantagens puderem ser minimizadas - e ao primeiro sinal de que existem, melhor correr.

O mito da segurança

Desde sempre o homem teve que se proteger. Um dos mitos mais conhecidos da arquitetura é o mito da cabana primitiva, o da construção da arquitetura como um abrigo. Seja o conceito da construção do lar pela casa em volta do fogo em Vitruvio, com paredes e cobertura em Alberti, ou com colunas como defendia Andrea Palladio, tudo passa pelo mesmo princípio, o da construção para proteger-se. Na Natureza terrível, poderosa e cruel, o medo não poderia ser mais que um mecanismo de defesa; a casa, um mecanismo de resguardo.
É bom duvidar, não ter absoluta segurança de tudo. É bom porque previne problemas desnecessários. Por exemplo: é bom suspeitar que uma chaleira no fogo esteja quente antes de segurar o cabo; assim previne-se queimaduras. É bom suspeitar que possamos estar errados sobre alguma coisa, para não nos tornarmos cabeças-duras. Mas e quando esse instinto natural de sobrevivência que carregamos torna-se uma neurose?
A ilusão da segurança é tão necessária quanto a certeza de que não estamos seguros. É preciso sentir-se seguro em algum ambiente, confiar em algumas pessoas, sentir-se abrigado. Sem esse tipo de conforto, estaríamos o tempo todo sujeitos a uma adrenalina sobrenatural. Mas nunca estamos seguros.
De fato, sempre há algum fator que pode gerar insegurança. O prédio em que você vive pode desabar, aquela panela de pressão na cozinha pode explodir e sabe-se lá o que pode te acontecer ao sair todos os dias pela porta de casa e atravessar uma rua. Mas são coisas que todos nós fazemos, com algum sentimento de segurança, ainda que ilusório. Sem esse sentimento, ficaríamos loucos. Enfrentamos diariamente o medo, ou, o que é mais provável, nos munimos de um sentimento de segurança que, ainda que ilusório, nos mantém distantes de um ataque de nervos a cada minuto.

Mundo-cão - a insegurança de todos nós

Embora a plena segurança seja um sentimento ilusório, como dissemos, é necessário sentir-se seguro o maior tempo possível. Tropeçar e quase cair na rua é algo que podemos vivenciar sem problemas e superar, mas estar sob o constante sentimento de alerta à espera de ser atacado como numa selva, não.
A insegurança, o constante medo de ser agredido de alguma forma por um fator externo, é cada vez mais comum entre nós. Aparece geralmente com mais facilidade entre aqueles que já sofreram algum tipo de violência, mas aos poucos torna-se um sentimento generalizado. A sensação de insegurança, mesmo em ambientes relativamente seguros, só aumenta quando ocorrem incidentes como o recente caso de Santa Maria. O espetáculo que a mídia fez em cima do acontecimento só aumenta a sensação de pânico generalizado.
O incêndio que ocorreu em Santa Maria, assim como eventos que ocorrem de tempos em tempos na forma de grandes acidentes, atinge a todos de alguma forma. Se não de forma direta, grandes tragédias atingem a todos de maneira mais indireta causando um sentimento comum de pertencimento ao mesmo problema. As reações que cada indivíduo produz a esse tipo de situação, entretanto, serão únicas. Diferenciam-se aqueles que se sentem afetados ou fragilizados de maneira ordinária e que conseguem superar o fato, daqueles que acabam sofrendo com o pânico, a ansiedade e as reações a esse sentimento.

Muros

Embora você possa não perceber - sim, você mesmo que está lendo esse texto - você toma medidas diárias para se proteger, conscientes ou inconscientes, consequentes do sentimento de pânico e ansiedade causados pela insegurança. Boa parte das pessoas acredita que a solução em boa parte das situações é construir um muro. De forma literal ou metafórica, o conceito aplica-se amplamente.
Em termos literais, a proliferação de arquiteturas de segurança, condomínios fechados, portarias eletrônicas e vigilância 24 horas, sem falar da enorme quantidade de muros por toda a cidade que dão as costas para quem anda pela rua e protegem - parcamente, diga-se de passagem - apenas quem está no seu interior, é assombrosa. Cada vez há menos janelas, olhos para a rua. Cada vez há mais vítimas de violência. Alguma coisa está errada.
Ao mesmo tempo, as pessoas se fecham progressivamente em seus próprios mundos. Privacidade virou uma espécie de sinônimo de segurança assim como o anonimato urbano. Se antes era bom que os vizinhos se conhecessem uns aos outros e suas rotinas, como uma forma de saber se algo de errado poderia ter acontecido, hoje cada vez menos confia-se em qualquer outra pessoa, inclusive nos vizinhos. Ninguém mais se conhece. As pessoas que habitam o mesmo prédio, entram todos os dias às mesmas horas nos elevadores, encontram-se e cruzam-se todo o tempo, dificilmente passam da conversa meteorológica para qualquer outra. Constroem-se blindagens, muros, cascos, a fim de nos protegermos - do quê? Nem sabemos mais. Mas nos fechamos para evitar qualquer tipo de interação que possa interferir de alguma forma nas nossas vidas regradas por expedientes e agendas.
Você acha estranho tudo isso que eu disse? Se acha muito aberto e pensa que tudo isso é uma bobagem? Então vá lá tocar a campainha do vizinho agora e pedir uma xícara de açúcar. Aproveite e pergunte como vai a vida dele. Eu te desafio! Se você ainda acha que não é problema, por favor me mande uma foto da cara de surpresa do seu vizinho. Ele, com certeza, fará uma.
A verdade é que, ultimamente, intimidade é rara. À medida que se confia pouco nas pessoas, mais nos fechamos dentro de nós mesmos e vivemos com as limitações dos problemas e experiências que são só nossos, já que não nos abrimos a outros. Quando foi a última vez que você começou um novo relacionamento? Não estou nem dizendo amoroso. Mas quando foi que você se abriu pela última vez para uma nova amizade ou um novo conhecido? Faz tempo? E como anda sua mesmice então? Boa?

A culpa não é da vítima

Se você não tomou o devido cuidado, não vestiu roupas adequadas, não se manteve afastado, não se protegeu; se colocou o pé na rua na “hora errada”, prepare-se: a culpa vai ser sua.
Um cartaz de uma garota em meio a um protesto contra estupro dizia “ninguém me perguntou o que meu estuprador estava vestindo.” Melhor indício de que a culpa recai sobre a vítima nas situações mais esdrúxulas é exatamente esse. A roupa da garota foi com certeza examinada de cima a baixo por quem registrava a ocorrência. A roupa do estuprador para identificar o criminoso, ninguém quis saber.
Arrumamos motivos para a ocorrência dos crimes. Isto está completamente errado. Crime não precisa de motivação. Apenas oportunidade. Culpar a vítima por exposição ou descuido é ignorância. A culpa não é da vítima. A culpa é do criminoso e da sociedade de maneira geral que praticamente o criou e educou como criminoso. Além de uma série de fatores que geraram a oportunidade do crime. Antes de procurar quem culpar, deveríamos estar mais preocupados em encontrar soluções para que os crimes não se repitam.
Culpar as vítimas de um crime é coisa que me dói muito assistir. A sociedade está tão condicionada a se proteger, se esconder, a sobreviver ao invés de viver, que quando alguém se recusa a isso, quando alguém sai da bolha, é automaticamente condenado por todos os “ismos”, preconceitos e preceitos da moralidade e do medo.
A minha geração é a geração do medo. Do carro blindado com insulfilm, alarme e rastreamento; do muro de três metros porque “brincar na rua é perigoso”; do “essa saia é muito curta” ou “esse batom é muito vermelho”; do “andar de mãos dadas na rua já é provocação”; do gostar de alguém é se expor; e também do “não toma gelado que faz mal.”
E se não somos assim, qual será o preço a pagar por querer andar descalços e de peito aberto contra o mar de gente que se agarra a tudo isso?



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