terça-feira, 23 de julho de 2013

Obras de arte saqueadas pelos nazistas são alvo de disputa entre herdeiros e museus

 Há anos a família do artista George Grosz luta para recuperar três peças do Museu de Arte Moderna de Nova York


Por Patricia Cohen
Tradução de Paulo Migliacci
Do New York Times



Foi apenas em 1998, quando 44 países, dentre os quais os Estados Unidos, assinaram um acordo histórico chamado "Príncipios de Washington sobre Arte Confiscada pelos Nazistas", que governos e museus de todo o mundo acataram formalmente a ideia de que tinham responsabilidade especial por reparar os danos causados pelo saque generalizado das obras de arte que eram propriedade dos judeus, nos anos do Terceiro Reich (1933-1945).

Agora, passados 15 anos, historiadores, especialistas jurídicos e organizações judaicas dizem que alguns museus norte-americanos recuaram de sua promessa de satisfazer reivindicações de recuperação relacionadas ao Holocausto e vêm recorrendo a táticas judiciais e outros mecanismos para impedir que sobreviventes do nazismo ou seus herdeiros busquem recuperar as obras.

Nos últimos anos, juízes rejeitaram diversos casos depois que museus alegaram que as reivindicações de recuperação haviam sido feitas fora do prazo. Os legisladores da Califórnia ficaram tão incomodados com um desses pedidos rejeitados que, em 2010, aprovaram uma lei que ajuda queixosos da era nazista e outros interessados a evitar problemas devido a prazos legais de prescrição.

Em alguns dos casos, museus como o Detroit Institute of Arts, o Toledo Museum of Art (em Ohio), o Museum of Fine Arts de Boston e o Solomon R. Guggenheim Museum, de Nova York, tentaram impedir processos judiciais de reivindicação recorrendo primeiro à Justiça e solicitando que os juízes decretassem que os museus eram legítimos proprietários das peças em questão.

Os críticos também acusam os museus de não seguir as próprias diretrizes, que os instam a oferecer informações de proveniência que ajudem as pessoas a traçar o histórico de uma obra de arte em disputa.

"A resposta dos museus foi realmente lamentável", disse Jonathan Petropoulos, ex-diretor de pesquisa para arte e propriedades culturais na Comissão de Consultoria Presidencial sobre Ativos do Holocausto, e mais tarde contratado por queixosos para realizar estudos sobre a história de peças contestadas. "Hoje, ficou muito difícil para um herdeiro levar adiante a sua reivindicação."

Reputação

A questão quanto à atitude dos museus sobre as reivindicações voltou recentemente a atrair atenção devido a uma série de artigos em publicações jurídicas, discussões em listas judiciais e decisões da Justiça nos Estados Unidos e no exterior. O que está em jogo nesse debate é o destino de obras de arte valiosas, a reputação de importantes instituições culturais e uma disputa sobre a capacidade do sistema judicial norte-americano para tratar das reivindicações.

Tanto a Associação dos Diretores de Museus de Arte norte-americanos quanto a Aliança Americana de Museus sustentam que seus membros sempre respeitam as normas éticas de responder "rápida e escrupulosamente" aos pedidos de restituição.

Christine Anagnos, diretora executiva da associação dos diretores de museus, diz que os membros da organização têm o compromisso de "resolver questões sobre a situação dos objetos em sua custódia". A maioria dos casos é resolvida por negociação antes que os queixosos se sintam forçados a recorrer à Justiça, ela diz.

Os dirigentes de museus também dizem que recorrem a táticas processuais como invocar prazos de prescrição apenas depois de pesquisar cuidadosamente uma reivindicação e determinar que ela é inválida.

Mas Stuart Eizenstat, ex-enviado especial do Departamento de Estado que negociou os Princípios de Washington, diz que os museus adotaram linha mais dura nos últimos sete anos ou pouco mais, em parte como resposta a vitórias judiciais de instituições de arte e devido à redução na pressão do governo.

"A essência dos Princípios de Washington pode ser resumida em uma sentença", ele diz. "Que as decisões do caso sejam tomadas por mérito e não com base em argumentos técnicos de defesa."

Ninguém contesta que, mesmo que haja bancos de dados que listam as peças de arte saqueadas, rastrear as obras de arte roubadas pelos nazistas de territórios ocupados, cujos históricos de proveniência em geral apresentam furos consideráveis, requer esforço e dinheiro.

Também é consenso que nem todas as reivindicações são válidas, o que requer que os diretores de museus respondam cautelosamente a fim de preservar suas coleções.

Simon Frankel, advogado do Museum of Fine Artes de Boston, menciona em recente artigo para uma publicação jurídica que, depois de 2010, quando o museu recorreu à Justiça para bloquear uma reivindicação de restituição de obra de arte roubada pelos nazistas, a instituição chegou a acordo com os herdeiros de dois negociantes de arte judeus e devolveu uma tapeçaria do século 14 a um museu de Trento, Itália.

Nenhum dos lados concorda quanto ao número de pessoas que abordaram museus norte-americanos buscando restituição de obras. A associação dos diretores de museus, que enfatiza que poucos casos chegaram aos tribunais, menciona duas dúzias nos quais instituições, dentre as quais o Detroit Institute of Arts, retornaram obras a herdeiros sem ir aos tribunais.

Circunstâncias nebulosas

Mas críticos da postura dos museus, dentre os quais o Projeto de Restituição de Arte do Holocausto, viram problemas em casos menos claros, nos quais falta documentação ou não se sabe se proprietários judeus cederam uma obra de arte por livre vontade ou foram forçados pelas autoridades nazistas a vendê-las por valores ínfimos.

Eizenstat está entre as pessoas que argumentam há muito que os tribunais não são o foro correto para resolver casos de restituição, e que para evitar litígios os Estados Unidos deveriam criar um conselho independente de mediação, como os que existem em diversos países europeus. No segundo trimestre deste ano, a divisão de Nova York da Associação Federal de Advogados dos Estados Unidos propôs uma resolução que criaria uma comissão norte-americana desse tipo.

Douglas Davidson, enviado especial do Departamento de Estado para questões referentes ao Holocausto, declarou em uma conferência em Haia em novembro que "alternativas ao litígio judicial são preferíveis", mas reconheceu que era improvável que uma comissão desse tipo seja constituída nos Estados Unidos. Um importante obstáculo é que, ao contrário da Europa, onde os museus em geral são estatais, a maioria dos museus norte-americanos é privada, o que torna difícil forçá-los a cumprir as decisões mediadas.

Esse tipo de órgão não necessariamente escapa a críticas, aliás. O Comitê de Restituições holandês, por exemplo, atraiu críticas no mês passado ao decidir que o interesse de dois museus em reter peças de seus acervos superava o dos herdeiros em tê-las restituídas.

Raymond Dowd, sócio do escritório de advocacia Dunnington, Bartholow & Miller, em Nova York, que costuma trabalhar em casos de restituição, queixa-se de que os museus muitas vezes revisam provas e decidem sozinhos se um caso é ou não válido. Em muitas ocasiões, os museus não oferecem aos queixosos acesso às suas pesquisas originais sobre a proveniência de uma obra, e não submetem os resultados a revisão profissional ou crítica acadêmica, acrescenta.

Ele menciona o caso de uma família que está buscando recuperar obras de arte que eram propriedade de Fritz Grunbaum, um popular artista vienense que morreu em um campo de concentração. Ele diz que dez museus norte-americanos, dentre os quais o Allen Memorial Art Museum, no Oberlin College, Ohio, têm obras de Egon Schiele que constavam de um inventário de propriedades preparado pelo governo alemão em 1938 depois que Grunbaum foi enviado a Dachau. Alguns dos museus não ofereceram informações completas sobre a proveniência das peças, ele diz, e o Allen não mencionava Grunbaum em sua pesquisa sobre a origem de um quadro de Schiele.

Andria Derstine, diretora do Allen, afirma em e-mail que o museu cooperou com os pedidos de informação de Dowd e que havia concluído, em investigação interna, que a reivindicação não tem mérito. O museu alterou seus registros online no mês passado para incluir a informação de que o quadro de Schiele pertenceu um dia a Grunbaum.

Há anos a família do artista George Grosz luta para recuperar três peças do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), alegando que foram sujeitas a venda forçada depois que Grosz fugiu dos nazistas em 1933.

Um juiz federal rejeitou os processos da família Grosz em 2011, mencionando o prazo legal de prescrição. Antes de o caso chegar ao tribunal federal, o museu contratou pesquisadores da Universidade Yale e o ex-secretário federal da Justiça Nicholas Katzenbach (morto em 2012) para revisar as provas. Katzenbach concluiu que Alfred Flechtheim, o negociante de arte judeu que administrava as peças de Grosz, tinha direito legal a elas e as vendeu sem compulsão. Mas os especialistas contratados pelos Grosz contestam o relatório e afirmam que Flechtheim foi forçado a fugir da Alemanha depois que a galeria de arte que ele dirigia em Düsseldorf foi "arianizada" em 1933 e dada a um membro do partido nazista.

Essa interpretação foi reafirmada em abril por uma decisão da comissão consultiva do governo alemão sobre arte saqueada, em um caso separado envolvendo o Ludwig Museum de Colônia. Embora haja "falta de provas concretas", a comissão concluiu que seria justo "presumir que Alfred Flechtheim foi forçado a vender o quadro em disputa porque foi vítima de perseguição".

Margaret Doyle, porta-voz do MoMA, declarou que o museu não tem interesse em reter peças sobre as quais não tenha direitos claros. "Depois de anos de pesquisa extensa", ela afirmou, "o que inclui numerosas conversações com o espólio de Grosz, ficou evidente que de fato tínhamos direito às peças de Grosz que constam de nossa coleção e portanto a obrigação junto ao público de defender nossa propriedade devidamente."

Mas Martin Grosz, 83, filho do pintor, cita uma carta que seu pai escreveu em 1953 depois de ver um dos seus quadros, "O Poeta Max Herrmann-Neisse", exibido no MoMA. "O Museu Moderno está expondo um quadro que me foi roubado (nada posso fazer contra isso). Eles o compraram de alguém que roubou a peça".

"Lembro-me do meu pai falando disso", diz Martin Grosz.

"Ele relutava muito em contestar ou se queixar, de qualquer maneira, do tratamento que recebesse de qualquer pessoa nos Estados Unidos", diz Grosz para explicar por que seu pai nunca lutou para recuperar o quadro.

Quando refugiados se queixavam, diz Martin Grosz, seu pai costumava responder que "vocês deveriam beijar o chão que estão pisando, porque eles nos receberam".


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