sexta-feira, 7 de junho de 2013

O jornalista que expôs a corrupção da CBF

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Por Paulo Nogueira
Do Diário do Centro do Mundo

O repórter que acabou com a roubalheira de Havelange e Teixeira não é brasileiro, e isso conta muito sobre a mídia nacional. Andrew Jennings, jornalista britânico, combate o bom combate quando o assunto é corrupção.

Recentemente, num artigo sobre transparência no esporte, Jennings citou uma grande frase do barão da mídia Lorde Northcliff: “Notícia é tudo aquilo que alguém não quer que seja publicado. O resto é publicidade.”

Cabelos brancos, lépido ainda aos 68 anos, escocês desde cedo instalado em Londres, Andrew Jennings é o maior jornalista investigativo do mundo na área do futebol.

São fruto do trabalho persistente, obstinado, brilhante de Jennings as denúncias que você leu sobre as milionárias propinas recebidas por Ricardo Teixeira e João Havelange ao longo de muitos anos pelas mãos de uma falecida empresa de marketing esportivo chamada ISL.

João Havelange foi notícia ao renunciar a seu cargo de presidente de honra da Fifa porque a Fifa, essencialmente, reconheceu todas as denúncias de Jennings.

Elas estão contidas  num documentário de 30 minutos passado, no final de 2010, na BBC. É uma lição de jornalismo, além de uma peça formidável na luta contra a corrupção no futebol.

Vale a pena interromper a leitura para ver esta lição de jornalismo.

Jennings simplesmente irrompe com suas perguntas francas, desconcertantes, certeiras. Seu jeito clássico de agir é ficar à espreita de algum personagem do mundo sujo da Fifa e aparecer subitamente diante dele com suas questões diretas, feitas num  tom suave, elegante e direto.

Uma vez, Jennings esperou num aeroporto a chegada de Jack Warner, então vice-presidente da Fifa, envolvido em múltiplos casos de corrupção. Warner está andando em direção ao carro quando Jennings o aborda. Um cinegrafista está filmando.

“Se eu pudesse cuspir em você, eu cuspiria”, diz Warner.

“Por quê?”

“Porque você é um lixo.”

Antes que Warner entrasse no carrão que o aguardava, Jennings faz mais uma pergunta sobre propinas.

“Pergunte à sua mãe”, diz Warner.

“Bem, eu até que gostaria, mas minha mãe está morta”, responde, com bom humor e sempre no mesmo tom de voz, Jennings.

Jack Warner acabaria, pouco depois, afastado da Fifa, sob o peso das denúncias de Jennings. “Renunciou voluntariamente”, segundo a Fifa.

Você vê Jennings em ação, compara com o que vê na mídia  brasileira e sente vontade de chorar.

Por que nenhuma grande empresa jornalística no Brasil levou aos brasileiros o mundo abjeto, corrupto, cínico da CBF de Ricardo Teixeira e João Havelange? Nos dois anos passados desde o magnifico trabalho de Jennings na BBC, nada se fez no Brasil. Entendo que a Globo não faria nada, dada sua ligação suja com a CBF, com Havelange e com Ricardo Teixeira. Mas e a Folha, por exemplo, o que fez para investigar?

A Globo aparece, nominalmente, na papelada jurídica relativa a pagamentos à ISL.  Era a partir da ISL que o dinheiro acabava indo parar na conta de Havelange e Teixeira. Circula na internet uma fala de Merval Pereira sobre a saída de Ricardo Teixeira da CBF. Nela, Merval – exemplo de homem público, segundo Ayres Brito – lamenta o ocorrido com Ricardo Teixeira.

Em conversas com amigos – leia-se ele mesmo, Merval – Teixeira, ficamos sabendo por Merval, está atormentado, e se sente injustiçado.

Disse Merval: “Teixeira se revelou a amigos  angustiado mesmo foi com o fim de seus sonhos. A realização da Copa do Mundo no Brasil era o sonho de Ricardo Teixeira para chegar à Presidência da Fifa,  o reconhecimento público de seu trabalho era uma ambição que alimentava. Achava que, finalmente, iriam dar valor ao que fizera nesses 23 anos à frente da CBF. Na nota de renúncia, ele abordou o tema dizendo que suas vitórias foram subvalorizadas e os erros superdimensionados. Não tinha mais interlocução com a presidente Dilma Rousseff, e nem com o presidente da Fifa Joseph Blatter. E via a cada dia os trabalhos para a realização da Copa mais e mais atrasados. Temia que a culpa final recaísse sobre ele, tinha medo de se transformar no bode expiatório dos dois lados,  governo e Fifa".

Para Ayres Britto, ex-STF, Merval é exemplo de ‘homem público’. A culpa, vemos em Merval, era do atraso das obras. E pobre Ricardo Teixeira, hoje com vida nababesca em Miami, frustrado em seus sonhos.

O jornalismo só sobrevive porque a cada Merval existe um Jennings, e porque a cada Globo existe uma BBC. Num desdobramento que é revelador da justiça brasileira, Jennings foi condenado a pagar uma indenização por “danos morais” que Ricardo Teixeira moveu contra ele. Isso depois que o programa da BBC fora ao ar com provas torrenciais.

O alvo principal de Jennings não é nem Havelange e nem Ricardo Teixeira, assim como não era Warner. É Sepp Blatter, o suíço que substituiu Havelange no comando da Fifa. Neste caso, há ainda um caminho a percorrer. Blatter tenta se apresentar como um “reformador de costumes” na Fifa, um agente anticorrupção.

Mas quem acredita nisso, para usar as palavras imortais de Wellington, acredita em tudo.



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