quarta-feira, 22 de julho de 2015

A banalidade do bem


Por Luiz Felipe Pondé
Da Ilustrada

Conhecemos a banalidade do mal descrita pela filósofa Hannah Arendt em seu tratamento do Eichmann em Jerusalém. Pará além da questão do Holocausto em si, seu conceito de banalidade do mal fez fama: Eichmann era um sujeito medíocre, um filho da burocracia, sem tato moral, como diria o sociólogo Zygmunt Bauman em seu Modernidade e Holocausto.

Os efeitos da burocracia são a idiotice moral, a estupidez intelectual, o amor ao protocolo e o não a qualquer forma de originalidade.

Já a banalidade do mal marca o mal não como uma profundidade, como na tradição bíblica, mas como uma espécie de fungo que se espalha pelo mundo sem grandes profundidades ou sofrimento moral, aniquilando qualquer reação moral que importe. A banalidade do mal convive bem com horrores contanto que a janta seja servida na hora.

O mal é banal num mundo em que pessoas que são boas mães demitem centenas de funcionários para equilibrar custos na empresa. Como dizia o poeta russo Joseph Brodsky: O mal adora orçamentos equilibrados (Discurso Inaugural, ensaio que integra seu livro Menos que Um).

Mas, não quero falar da banalidade do mal hoje. Quero falar da banalidade do bem, a irmã caçula da banalidade do mal.

Menos conhecida, ela desfila por nossas praças chiques em que caras limpas e bem vestidas caminham domingos e feriados, em busca de uma vida equilibrada. Seus filhos pequenos e seus cães brincam juntos, provando que está surgindo uma nova geração com mais consciência.

Voltando ao poeta russo Brodsky e ao texto dele citado anteriormente, uma das ideias mais elegantes que o autor nos apresenta nesse ensaio é que não devemos falar do bem diante de muitas pessoas porque os maus sentimentos são os mais comum nas pessoas, e, por isso mesmo, quando você tem muitas pessoas reunidas, o provável é que maus sentimentos estejam por toda parte, e que você esteja falando com muitas pessoas más.

Sobre o bem, diz Brodsky, deve-se falar apenas em círculos muito íntimos. Logo, não existe a possibilidade de falarmos do bem nas redes sociais, se formos levar a sério (como eu levo) o que nos diz o poeta russo. Portanto, o bem nas redes é sempre banalidade do bem. E o que é a banalidade do bem, afinal?

Banalidade do bem é uma forma de fungo também, mas que causa um efeito um tanto eufórico em quem a pratica, porque faz você se sentir bem consigo mesmo. Tipo ajudar crianças na África e postar fotos de você sorrindo ao lado da foto de uma delas. Ou assistir a rituais indígenas em algum centro cultural em São Paulo e postar fotos de você ao lado de um neoxamã. Ou postar foto de você com transexuais mostrando que você ama a diversidade. Ou postar frases do tipo Odeie seu ódio!. Ou imagens de sua filha reciclando lixo.

Veja que a banalidade do bem tem uma dependência direta de você postar que você é do bem. Se o habitat natural da banalidade do mal são a burocracia e a gestão, o habitat natural da banalidade do bem são as redes sociais.

Aliás, um sintoma típico da banalidade do bem é dizer frases do tipo fazer o bem faz você se sentir bem consigo mesmo. Evite pessoas que falam frases como essas. Se forem suas amigas, provavelmente pegarão seus maridos ou namorados, se tiverem uma chance. Se forem seus amigos, provavelmente, também pegarão seus maridos e namorados.

A banalidade do bem convive bem com sua irmã mais velha, a banalidade do mal. Aliás, arriscaria dizer que as duas fazem uma dupla e tanto. A caçula, como toda caçula, tende a ser mais gostosinha e em forma. A banalidade do bem tem vida equilibrada, só come comida sem glúten, sem gordura trans, faz yoga e fala para os filhos sobre desigualdade social.

Ambas estão preocupadas com a janta, mas a banalidade do mal, mais pobrinha, se contenta com novela da Globo enquanto come a janta. Já a banalidade do bem, mais chiquinha, é do tipo vinho branco com comida peruana.

Mas, atenção! Se você tem certeza de que é uma pessoa do bem e ficar eufórica, tome remédio contra fungos. E seja discreta e não conte para ninguém.

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