Século XIX: “A vida é cheia de surpresas. Pense no destino da mãe
dessa pobre criatura. Atacada no quarto mês de gravidez… por um elefante
selvagem. Atacada numa ilha perdida… na África. O resultado está aqui.
Senhoras e senhores… o terrível… Homem Elefante”! Era assim que o
londrino John Merrick (interpretado por John Hurt) costumava ser
apresentado no circo em que era exibido como atração. Tudo porque sofria
de uma doença que deformou todo seu corpo, dando a ele, uma aparência
de elefante.
Um dia, o Dr. Frederick Treves (Anthony Hopkins) conhece John e resolve estudá-lo:
- “Obrigado. Boa tarde. Sr. Thomas, Sr. Rogers… Pode abrir as
cortinas. É inglês e tem 21 anos. Seu nome é John Merrick. Senhores, no
decorrer da minha vida profissional… encontrei as mais lamentáveis
deformidades… causadas por acidentes ou doenças, e contorções do corpo
de várias naturezas. Mas nunca encontrei versão mais degradante do ser
humano. Chamo-lhes a atenção para o carácter insidioso da condição do
paciente. Dá pra ver lá?”. – Ele estava apresentando John numa palestra
para médicos.
- “Sim”. – Respondem os outros.
- “Notem a hipertrofia craniana. O membro superior direito,
totalmente inutilizado. A curvatura alarmante da espinha. Quer virar,
por favor? A frouxidão da pele e os fibromas que cobrem quase todo o
corpo. E tudo indica que esse padecimento sempre existiu… e vem
progredindo de modo acelerado desde o nascimento.
O paciente também
sofre de bronquite crônica. Um detalhe interessante. Apesar das
mencionadas anomalias. Os órgãos genitais do paciente não foram
afetados. O seu braço esquerdo é perfeito como podem ver. Devido à sua
condição… papilomas como grandes massas penduradas na pele… a
hipertrofia do membro superior direito e todos os seus ossos… a
acentuada deformidade da cabeça… o paciente foi apelidado de Homem
Elefante. Obrigado”.
(palmas)
The Elephant Man foi o primeiro filme reconhecido do diretor David
Lynch, lançado em 1980 com oito indicações ao Oscar no ano seguinte. Em
preto-e-branco é baseado numa história real de um órfão “ganha-pão” de
Mr. Bytes (Freddie Jones). Baseado em uma história real, o roteiro conta
a vida de Joseph Merrick, nascido em Leicester, Inglaterra em 1862.
Joseph tinha dois anos quando sua mãe notou que o filho tinha algo
estranho. O moço deixou a casa cedo e foi vendedor de rua, operário, mas
só conseguiu ser reconhecido como um freak-show (espetáculo de
aberrações). Serviu como “ganha-pão” de um homem que o apresentava num
circo, e vivia em numa espécie de cativeiro e apanhava de seu “assessor
de imprensa”. Ao ser encontrado pelo Dr. Treves, futuro médico da
Família Real Britânica, é levado para morar num hospital e ter uma
qualidade de vida melhor. Ser estudado. Nasce aí um vínculo de amizade
entre os dois.
- “Num hospital não pode haver segredos. Um médico não acolhe um
encapuçado sem suscitar comentários. Porque esse paciente não foi
admitido formalmente? Porque está no isolamento?” Ele não é contagioso,
é? – pergunta o diretor do hospital para o Dr. Treves.
- “Não senhor; ele tem bronquite e foi muito surrado”.
- “Porque então ele não está na enfermaria?”
- “Achei que os outros pacientes se chocariam”.
- “Então é isso? Devo concluir que ele é incurável?”
- “Sim, senhor.”
- “O senhor sabe que não aceitamos pacientes incuráveis. É a regra aqui”.
- “Eu sei disso senhor, mas este caso é excepcional”.
A criatura horrível até certo ponto diagnosticada como doente mental
por não saber se expressar torna-se alguém amável, digna de atenção e
carinho. Mesmo que em nenhum momento permaneça livre do monstruoso
preconceito que o cercava.
Na maioria dos filmes, o personagem principal sempre se transforma.
Em outros, aquele homem “durão” que nos conduziu até o final da trama
permanece intactamente igual, deixa que sua mensagem fatal ou não
disperse ou então sobressaia-se no meio do imenso cenário produzido. Mas
em O Homem Elefante, o personagem principal se revela. É nessa
revelação que ocorre uma aproximação do espectador com sua própria noção
de realidade; tão sombria quanto à feiúra de John. Tão escandalosa e
apelativa quanto ele.
Uma condução crítica de vida, de valores, de ética, de solidariedade,
de sociedade… são colocadas através do apelo “surreal” dessa história.
“O mundo tem que ser representado para ser reconhecido”: uma reflexão
sobre invisibilidade social e humana, longe de ser invisível.
Deveríamos, em certa medida, nos incluir nisso.
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